Monday, April 23, 2012

Liberdade

Eram quase quatro da manhã quando decidi ir dar um passeio pela cidade para desanuviar.

O meu passeio levou-me até ao parque junto ao rio, sem lua nem estrelas no céu, e contentei-me a olhar para um ponto qualquer há procura de algo que não conseguia ver nem queria encontrar. 

Olhei em volta e não vi ninguém, a casa mais próxima encontrava-se já a uma distancia que eu considerei confortável para poder fazer o que queria fazer.

Gritar o mais alto que podia.

"Oh amigo, eu não quero ser chato mas será que poderia berrar sem fazer barulho?" Atrás de mim encontrava-se um homem de idade avançada sentado atrás de um arbusto que o ocultava se estivesse deitado. "Peço desculpa, não o tinha visto ai." Afastei-me.

"Amigo, espere ai. Conte lá o que o levou a vir aqui a estragar a sua garganta?" O homem tinha-se levantado e caminhava na minha direção. Com o cabelos pelos ombros, aparentava ser bastante magro e o peso da sua idade constatava-se na forma que as suas costa inclinavam para a frente. "Você dorme sempre aqui?" Perguntei.

"Não, nem sequer sou daqui. Apenas tive a infelicidade de não ter conseguido outro lugar para pernoitar, e quanto há minha pergunta não vai responder?" Olhei para o homem, não sabia o que ele pretendia com aquela conversa, mas também não desejava regressar a casa, e falar com um desconhecido pareceu-me bastante agradável. "Acho que estou cansado." Disse.

"Cansado!? Um jovem como o senhor?" Olhei para o velhote, embora o seu tom mostrasse admiração a sua cara apresentava-se exatamente a mesma, antes de continuar sentei-me no chão onde ele se juntou a mim.

"Não estou cansado fisicamente, estou cansado mentalmente. Sinto-me preso numa gaiola, sem maneira de conseguir fugir." Suspirei, e pensei se era aquilo exatamente o que se passava comigo. "E quer fugir exatamente do quê?"O velhote perguntou.

"Da minha vida acho eu. Estou cansado de ter de fazer o que me mandam, de ter de agir de forma diferente só porque fulano ou sicrano estão presentes. No fundo só quero liberdade."

"Liberdade? O que é para si o conceito de liberdade?" Apesar de o ter considerado um sem abrigo no inicio, a forma como este velhote falava  dava-lhe um ar culto. "Liberdade? Liberdade é ser livre, ter a possibilidade de fazermos o que queremos, quando queremos e onde queremos." Respondi.

"Então tendo em conta a sua noção de liberdade, imaginemos duas pessoas que vivem num mundo do tamanho deste parque e que exercem ambas a sua noção. Agora dentro da sua liberdade uma destas pessoas decide gritar, como acha que outra reagirá?" Ao principio pensei que o velhote se estava a preparar para me dar um sermão sobre porque não se deve gritar a meio da noite. "Isso depende da outra pessoa, tanto a pode incomodar como pode lhe ser indiferente."

"Muito bem, suponhamos então que essa pessoa então considera um incomodo há sua liberdade de viver em silencio e decide confrontar a outra pessoa, que por sua vez confronta essa pessoa porque esta é livre de poder gritar. A que conclusão chegámos?"

"Não sei aonde quer chegar com isso." Respondi.

"O que eu quero dizer, é que a noção de liberdade apenas se estica até chocar com outra noção de liberdade e quando tens um conjunto diferente de noções de liberdade estas acabam por criar regras entre si para não entrarem em conflito, por isso quando dizes que queres liberdade total a única opção é ires para um local inabitado."

"Mas eu gosto de viver aqui e segundo o que o senhor diz a morte seria outra via para alcançar liberdade." Eu estava agora embrenhado na linha de pensamento daquele velhote, as suas palavras pareciam-me sábias e as suas opiniões agradáveis de ouvir e de teorizar.

"Morte!? Não sei o que há para além da morte, tanto pode ser um mundo de escravidão como outra coisa qualquer. Não nutro qualquer interesse por ela pelo menos enquanto não souber o que ela realmente é."

"Têm medo de morrer?" Perguntei. "Sim tenho, o pensamento de morrer e não poder explorar o resto do mundo e de conhecer as pessoas que nela habitam deixa-me horrorizado, isto porque, para mim, morte é apenas um vácuo e não conheço nenhum método de a explorar sem a obter. Por isso sim, tenho medo de morrer, quem não tem acaba por não viver durante muito tempo."

O sino já tocava, não tinha reparado que o tempo tinha voado. "Tenho de ir, daqui a pouco tenho aulas. Gostei muito desta conversa, espero voltar a ter oportunidade de voltar a conversar com o senhor." Estiquei a mão para o cumprimentar e enquanto ele fazia o mesmo disse "Nutro o mesmo sentimento pelo senhor."

Dirigi-me a casa para me preparar para as aulas.