Friday, November 11, 2011

As Palavras Numa Imagem

            Na rotina de todos os seus dias, João ia sempre até ao parque junto há margem do rio, onde se sentava num banco para relaxar. Cumpria isto como um ritual, nunca lhe dava grande importância e raramente se lembrava do que fazia durante este,  entrava numa espécie de transe que lhe movia a consciência para qualquer outra realidade.
Durante um deste momentos, em que olhava para o céu procurando algo que não se encontrava lá, uma mulher se sentou ao seu lado sem ele se aperceber.
“Magnifico este pôr de sol, não é.” Puxado do seu transe por uma força exterior João apercebeu-se que não estava sozinho. A seu lado tinha uma mulher morena e elegante que tinha iniciado uma conversa com ele, um desconhecido. “Acho que posso dizer que sim.”
“Não parece muito convencido.” E não estava, João olhava em sua volta mas não via nada que fizesse aquele pôr de sol diferente dos outros. “Penso que já tive a oportunidade de ver melhores.”
“Não posso dizer o mesmo. Acho que isto é o melhor que posso ter.” João não compreendeu o que ela queria dizer com aquilo.
“Não é muito difícil ver melhor. Mais ou menos daqui a meia hora as luzes da cidade vão ser ligadas, estas irão ser refletidas pelas águas do rio, o barulho do transito irá diminuir até poder ouvir  o barulho do mar, bandos de gaivotas virão do mar voando para longe daquele fundo vermelho, arauto de destruição, trespassando as paredes de luz da cidade como se não fossem mais do que uma miragem.  Os seu cantos se farão ouvir acompanhados pelas ondas do mar, e no fim talvez o barulho de transito deixe de ser barulho e faça parte da sinfonia.” João olhou para o céu. “ E no entanto se fechar os olhos talvez consiga imaginar algo ainda mais bonito. Porque num mundo de faz de conta a realidade é apenas um mito.”
Ela não disse nada. No estado imóvel em que se encontrava, parecia ter sido hipnotizada. Os óculos escuros que ela tinha não permitiam a João saber para onde ela estava olhar por causa daqueles óculos escuros que ela usava, pois embora o seu corpo parecesse uma estátua, os seus olhos poderiam percorrer quilómetros.
“Um cêntimo pelos teus pensamentos.” João quebrou o silêncio que se tinha imposto entre eles. “Peço desculpa, estava a desfrutar o momento. Não é todos os dias que recebo uma resposta para além do sim ou o está muito bonito. Deveras agradável.”
“Vem aqui muitas vezes para encontrar o cenário que descreveu?” João já não sabia o que aquela mulher pretendia, a pergunta parecia inocente mas ele não se sentia confortável em dar pormenores da sua rotina a uma desconhecida. “Venho de vez em quando, embora o meu motivo não seja esse mas apenas o da molenguice.” Ela sorriu.
“A minha boleia chegou.” João olhou na direção de onde ouviu um carro a buzinar. Um carro azul parado junto há estrada parecia ter sido o autor. “E eu que estava a gostar tanto da conversa.” Disse João secamente.
Ela sorriu e levantou-se. João reparou que ela agora segurava uma bengala na mão direita. “Estava a pensar no que tinha dito e penso que tem razão. No mundo de faz de conta a realidade não passa de um mito, porque lá ainda posso ver.”
“Foi um prazer ouvi-lo, boa noite.” João não lhe respondeu, limitou-se a segui-la com os olhos até ao carro e a vê-lo desaparecer num ponto do horizonte.