Durante um deste momentos, em que olhava para o
céu procurando algo que não se encontrava lá, uma mulher se sentou ao seu lado
sem ele se aperceber.
“Magnifico este pôr de sol, não é.” Puxado do seu
transe por uma força exterior João apercebeu-se que não estava sozinho. A seu
lado tinha uma mulher morena e elegante que tinha iniciado uma conversa com
ele, um desconhecido. “Acho que posso dizer que sim.”
“Não parece muito convencido.” E não estava, João
olhava em sua volta mas não via nada que fizesse aquele pôr de sol diferente
dos outros. “Penso que já tive a oportunidade de ver melhores.”
“Não posso dizer o mesmo. Acho que isto é o
melhor que posso ter.” João não compreendeu o que ela queria dizer com aquilo.
“Não é muito difícil ver melhor. Mais ou menos
daqui a meia hora as luzes da cidade vão ser ligadas, estas irão ser refletidas
pelas águas do rio, o barulho do transito irá diminuir até poder ouvir o barulho do mar, bandos de gaivotas virão do
mar voando para longe daquele fundo vermelho, arauto de destruição,
trespassando as paredes de luz da cidade como se não fossem mais do que uma
miragem. Os seu cantos se farão ouvir
acompanhados pelas ondas do mar, e no fim talvez o barulho de transito deixe de
ser barulho e faça parte da sinfonia.” João olhou para o céu. “ E no entanto se
fechar os olhos talvez consiga imaginar algo ainda mais bonito. Porque num
mundo de faz de conta a realidade é apenas um mito.”
Ela não disse nada. No estado imóvel em que se
encontrava, parecia ter sido hipnotizada. Os óculos escuros que ela tinha não
permitiam a João saber para onde ela estava olhar por causa daqueles óculos
escuros que ela usava, pois embora o seu corpo parecesse uma estátua, os seus
olhos poderiam percorrer quilómetros.
“Um cêntimo pelos teus pensamentos.” João quebrou
o silêncio que se tinha imposto entre eles. “Peço desculpa, estava a desfrutar
o momento. Não é todos os dias que recebo uma resposta para além do sim ou o
está muito bonito. Deveras agradável.”
“Vem aqui muitas vezes para encontrar o cenário
que descreveu?” João já não sabia o que aquela mulher pretendia, a pergunta
parecia inocente mas ele não se sentia confortável em dar pormenores da sua
rotina a uma desconhecida. “Venho de vez em quando, embora o meu motivo não
seja esse mas apenas o da molenguice.” Ela sorriu.
“A minha boleia chegou.” João olhou na direção de
onde ouviu um carro a buzinar. Um carro azul parado junto há estrada parecia
ter sido o autor. “E eu que estava a gostar tanto da conversa.” Disse João
secamente.
Ela sorriu e levantou-se. João reparou que ela
agora segurava uma bengala na mão direita. “Estava a pensar no que tinha dito e
penso que tem razão. No mundo de faz de conta a realidade não passa de um mito,
porque lá ainda posso ver.”
“Foi um prazer ouvi-lo, boa noite.” João não lhe
respondeu, limitou-se a segui-la com os olhos até ao carro e a vê-lo
desaparecer num ponto do horizonte.
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