Monday, October 31, 2011

Seguir em Frente


Por causa do trabalho tinha tendência a chegar bastante tarde a casa. Ela não gostava que eu chegasse tão tarde e estava sempre a avisar-me sobre isso, mas não o consigo evitar.
Quando finalmente entrei em casa, ela encontrava-se na sala a ver um programa de televisão que eu não reconheci.
“ Eu já jantei não faças nada para mim.” Ela não se levantou para me dar um beijo de boas vindas, sinal de que estava de mau humor. “Ok, queres um chá ou um café que eu faço?” Ela nem se dignou a olhar para mim, até agora só tive o prazer de falar com a nuca dela. “Não obrigado. Vai mas é fazer o teu jantar, ou nem ás três da manha estás na cama.”
Decidi não continuar a conversa, tal era o mal humor que ela parecia largar no ar. Em vez disso dirigi-me á cozinha e comecei a fazer uma refeição rápida, bifinhos de frango grelhados com esparguete e molho de azeite e oregãos a acompanhar.
Já me encontrava a comer quando deixei de ouvir o barulho da televisão, pouco depois ela entrava na cozinha. “Acreditas em fantasmas?” Fiquei a olhar para ela, mas que raio de pergunta era aquela!?
“Não.” Ela parecia ter ficado aborrecida com a minha resposta.
“Acreditas em Deus?” Estão me sempre a fazer esta pergunta, mas na maioria dos casos quando as pessoas dizem Deus referem-se a uma religião especifica.
“Se estás a perguntar se eu sou católico sabes bem que não.” Ela olhou para o teto, parecia estar a pensar no próximo passo. “ O que eu estava a perguntar é se acreditas que alguém, ou algo equivalente ao Deus das religiões que por ai andam, possa existir.”
“Sim acredito.” Ela sorriu ao ouvir a minha resposta. “Acreditas que possam existir extraterrestres.” Neste momento já me perguntava  onde é que ela queria chegar com aquilo. “Sim, é perfeitamente possível que extraterrestres existam.”
“Então porque é que não acreditas em fantasmas?”
            “Porque nunca os vi.” Assim que respondi percebi que tinha caído numa armadilha, esta resposta contráriavas algumas das afirmações que tinha feito até agora. “Isso quer dizer que já viste Deus ou um extraterrestre?” Ela não perdeu tempo para me atirar aquilo á cara. “Vá lá, o que queres que te diga!? Que os fantasmas existem?”
“Sim, basicamente.” Fiquei admirado, já que ela parecia estar bastante séria em relação a este ponto.
“Não tenho nenhuma razão para acreditar em fantasmas. A verdade é que nunca tive razões ou provas para acreditar neles, se eles existem não te posso dizer. Também não te sei dizer se Deus ou extraterrestres existem, quando disse que acreditava estava apenas a dizer que pode ser possível.” Ela moveu-se da porta até á mesa e parecia estar bastante cansada quando se sentou. 
“Porque é que tens de complicar tanto as coisas!? Será que contigo nunca pode ser um caso de sim ou não?” Sorri com aquela pergunta. “Gostarias mais de mim se fosse assim.” Ela torceu o nariz. “Não.”
“Então como te correu o dia?” Ela pareceu incomodada com a pergunta. “Nada de especial, basicamente o mesmo de sempre.” Enquanto respondia desviou o olhar da minha cara fixou-o num ponto qualquer da parede. “Aconteceu alguma coisa?” Olhou brevemente para mim mas rapidamente voltou a olhar para o tal ponto. “Não se passou nada demais.”
            “Se eu te disse-se que vi um fantasma, acreditavas em mim?” A conversa dos fantasmas outra vez. “Porquê? Viste um?” Agora já olhava para mim. “Acho que posso dizer que sim.”
“Achas!? Que queres dizer com isso.” Neste momento ela tinha levado as mãos ao cabelo e estava a enrolá-lo nos dedos, ela fazia sempre isto quando não sabia o que fazer.
“Sim eu vi um fantasma, acreditas em mim?” Parecia que era isto que a estava a incomodar. “Conheces-lo?” Ela voltou a enrolar o cabelo nos dedos.
“Não.” A demora na resposta fez-me pensar que ela estava a mentir, mas podia estar enganado. “Ele fez-te alguma coisa?” Vi na cara dela que hesitava em responder.
“Não. Mas afinal acreditas em mim ou não!?” Mais uma vez respondi sem pensar. “Claro que acredito em ti.” Facto de que ela se aproveitou. “Então acreditas em fantasmas?”
“Pronto, se isso te faz feliz, sim acredito.” Ela afundou-se na cadeira.
“Será que não podias simplesmente dizer sim, tens sempre de acrescentar a parte do favor!?” Ela parecia bastante irritada, este é um assunto mais sensível do que eu pensava. “Pronto desculpa, mas que queres que eu faça.”
“Não quero que faças nada, apenas que acredites em mim. Tu sabes que eu amo-te mas não posso continuar a viver assim.” Fiquei aterrorizado com o que ela podia dizer a seguir. “Já passou quase três meses, e eu só te posso dizer que não me esqueci nem nunca me esquecerei...” Ela começou a chorar  e eu não sabia o que fazer, podia aconchegá-la mas parecia que ela se queria separar de mim.
“Não acredito que já passaram três meses, ainda parece que foi ontem que tu...” Tentei lembrar-me do que poderia ter feito à três meses para a deixar naquele estado, mas não consegui lembrar de nada que pudesse ter provocado tal situação.
“Eu não sei mais o que fazer, já não é a primeira vez que tento e no entanto... Porque é que desta vez haveria de ser diferente?” Perguntou ela entre soluços.
“Mas o que é que eu fiz?” Por momentos ela parecia ter parado de chorar, até os soluços voltarem e ela ter começado a chorar ainda mais do que antes. No meio daquilo ela levantou-se da cadeira, dirigiu-se a um canto da cozinha e enroscou-se lá no chão.
Levantei-me, e sentei-me em frente a ela. Não lhe disse nada e não fiz nada. Queria muito abraça-la e dizer-lhe que tudo ia ficar bem, mas não queria arriscar em piorar a situação.
“Isto é tão difícil para mim, eu sei que o tenho de o fazer mas é tão difícil.” Finalmente tinha acalmado e voltara a falar, mas eu estava com medo de dizer alguma coisa depois do que aconteceu da última vez.
“Porque é que ainda és assim, só tornas as coisas mais difíceis.” Realmente não sei o que fazer, só o simples facto de imaginar o que se passava na cabeça dela horrorizava-me.
“Provavelmente não me abraças nem falas porque não sabes o que se passa e eu, para piorar, não sei se quero que o faças ou não. Porque é que isto aconteceu a nós!?  Estávamos tão bem à três meses atrás.” Ela meteu a cabeça entre a pernas e fechou-as com as mãos, o que significava que não queria que eu a incomodasse.
Tentei refletir sobre o que se poderia passar, ela parecia querer deixar-me mas ao mesmo tempo parecia não querer. Não me lembrava de alguma vez a ter traído com alguém e também duvidava que ela andasse com alguém, pois se fosse isso imagino que não seria tão difícil para ela deixar-me. Talvez alguém lhe tenha dito algo mau sobre mim, mas o que me preocupa é que foi à três meses atrás, isso e o facto de ela falar como se ambos o soubéssemos. Estava irritado comigo por não me lembrar de algo que parecia tão importante.
“Mas a culpa não é tua, aliás de certa forma a culpa foi minha.” Ela tinha voltado a falar. “Sempre a dizer que chegavas atrasado a casa, desconfiava que se passava algo para além do trabalho.” Eu também tinha medo que pensasses dessa forma, mas não posso repreender-te por isso e infelizmente não o consigo evitar,
            “Não sei o que teria feito se tivesses ido logo embora, talvez a culpa me consumisse e eu tivesse feito algo de que tu nunca me perdoarias. Mas não, quando cheguei a casa, tu já cá estavas,  como se nada se tivesse passado, como se tivesse sido um dia completamente normal, e a primeira coisa que me disseste foi...”
“Perdoo-te, a culpa não é tua.” De repente eu lembrei-me de todas aquelas noites desde á três meses atrás.
            “Esta já é a quinta vez.” Disse-lhe.
“Desculpa, eu sei que tem de ser, mas... Não quero que vás.”
Sentei-me ao lado dela e aconcheguei-a nos meus braços. “Ficarás melhor sem mim. Eu sei que sim, e tu também acabarás por o descobrir. Mas não sou eu que vou obrigar-te a fazê-lo, se pudesse falo-ia, mas tens de ser tu a querer.” Mais uma vez as lágrimas brotaram dos olhos dela, mas agora não eram apenas as dela, as minhas também se juntaram à sinfonia.
“Diz-me só uma coisa, eu morri á três meses atrás, não foi?”
“Sim.”

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