Por causa do
trabalho tinha tendência a chegar bastante tarde a casa. Ela não gostava que eu
chegasse tão tarde e estava sempre a avisar-me sobre isso, mas não o consigo
evitar.
Quando
finalmente entrei em casa, ela encontrava-se na sala a ver um programa de
televisão que eu não reconheci.
“ Eu já
jantei não faças nada para mim.” Ela não se levantou para me dar um beijo de
boas vindas, sinal de que estava de mau humor. “Ok, queres um chá ou um café
que eu faço?” Ela nem se dignou a olhar para mim, até agora só tive o prazer de
falar com a nuca dela. “Não obrigado. Vai mas é fazer o teu jantar, ou nem ás
três da manha estás na cama.”
Decidi não
continuar a conversa, tal era o mal humor que ela parecia largar no ar. Em vez
disso dirigi-me á cozinha e comecei a fazer uma refeição rápida, bifinhos de
frango grelhados com esparguete e molho de azeite e oregãos a acompanhar.
Já me encontrava a comer quando
deixei de ouvir o barulho da televisão, pouco depois ela entrava na cozinha.
“Acreditas em fantasmas?” Fiquei a olhar para ela, mas que raio de pergunta era
aquela!?
“Acreditas em
Deus?” Estão me sempre a fazer esta pergunta, mas na maioria dos casos quando
as pessoas dizem Deus referem-se a uma religião especifica.
“Se estás a
perguntar se eu sou católico sabes bem que não.” Ela olhou para o teto, parecia
estar a pensar no próximo passo. “ O que eu estava a perguntar é se acreditas
que alguém, ou algo equivalente ao Deus das religiões que por ai andam, possa
existir.”
“Sim
acredito.” Ela sorriu ao ouvir a minha resposta. “Acreditas que possam existir
extraterrestres.” Neste momento já me perguntava onde é que ela queria chegar com aquilo.
“Sim, é perfeitamente possível que extraterrestres existam.”
“Então porque
é que não acreditas em fantasmas?”
“Porque
nunca os vi.” Assim que respondi percebi que tinha caído numa armadilha, esta
resposta contráriavas algumas das afirmações que tinha feito até agora. “Isso
quer dizer que já viste Deus ou um extraterrestre?” Ela não perdeu tempo para
me atirar aquilo á cara. “Vá lá, o que queres que te diga!? Que os fantasmas
existem?”
“Sim,
basicamente.” Fiquei admirado, já que ela parecia estar bastante séria em
relação a este ponto.
“Não tenho
nenhuma razão para acreditar em fantasmas. A verdade é que nunca tive razões ou
provas para acreditar neles, se eles existem não te posso dizer. Também não te
sei dizer se Deus ou extraterrestres existem, quando disse que acreditava
estava apenas a dizer que pode ser possível.” Ela moveu-se da porta até á mesa
e parecia estar bastante cansada quando se sentou.
“Porque é que
tens de complicar tanto as coisas!? Será que contigo nunca pode ser um caso de
sim ou não?” Sorri com aquela pergunta. “Gostarias mais de mim se fosse assim.”
Ela torceu o nariz. “Não.”
“Então como
te correu o dia?” Ela pareceu incomodada com a pergunta. “Nada de especial,
basicamente o mesmo de sempre.” Enquanto respondia desviou o olhar da minha
cara fixou-o num ponto qualquer da parede. “Aconteceu alguma coisa?” Olhou
brevemente para mim mas rapidamente voltou a olhar para o tal ponto. “Não se
passou nada demais.”
“Se
eu te disse-se que vi um fantasma, acreditavas em mim?” A conversa dos
fantasmas outra vez. “Porquê? Viste um?” Agora já olhava para mim. “Acho que
posso dizer que sim.”
“Achas!? Que
queres dizer com isso.” Neste momento ela tinha levado as mãos ao cabelo e
estava a enrolá-lo nos dedos, ela fazia sempre isto quando não sabia o que
fazer.
“Sim eu vi um
fantasma, acreditas em mim?” Parecia que era isto que a estava a incomodar.
“Conheces-lo?” Ela voltou a enrolar o cabelo nos dedos.
“Não.” A
demora na resposta fez-me pensar que ela estava a mentir, mas podia estar
enganado. “Ele fez-te alguma coisa?” Vi na cara dela que hesitava em responder.
“Não. Mas
afinal acreditas em mim ou não!?” Mais uma vez respondi sem pensar. “Claro que
acredito em ti.” Facto de que ela se aproveitou. “Então acreditas em
fantasmas?”
“Pronto, se
isso te faz feliz, sim acredito.” Ela afundou-se na cadeira.
“Será que não
podias simplesmente dizer sim, tens sempre de acrescentar a parte do favor!?”
Ela parecia bastante irritada, este é um assunto mais sensível do que eu
pensava. “Pronto desculpa, mas que queres que eu faça.”
“Não quero
que faças nada, apenas que acredites em mim. Tu sabes que eu amo-te mas não
posso continuar a viver assim.” Fiquei aterrorizado com o que ela podia dizer a
seguir. “Já passou quase três meses, e eu só te posso dizer que não me esqueci
nem nunca me esquecerei...” Ela começou a chorar e eu não sabia o que fazer, podia
aconchegá-la mas parecia que ela se queria separar de mim.
“Não acredito
que já passaram três meses, ainda parece que foi ontem que tu...” Tentei
lembrar-me do que poderia ter feito à três meses para a deixar naquele estado,
mas não consegui lembrar de nada que pudesse ter provocado tal situação.
“Eu não sei
mais o que fazer, já não é a primeira vez que tento e no entanto... Porque é
que desta vez haveria de ser diferente?” Perguntou ela entre soluços.
“Mas o que é
que eu fiz?” Por momentos ela parecia ter parado de chorar, até os soluços
voltarem e ela ter começado a chorar ainda mais do que antes. No meio daquilo
ela levantou-se da cadeira, dirigiu-se a um canto da cozinha e enroscou-se lá
no chão.
Levantei-me,
e sentei-me em frente a ela. Não lhe disse nada e não fiz nada. Queria muito
abraça-la e dizer-lhe que tudo ia ficar bem, mas não queria arriscar em piorar
a situação.
“Isto é tão
difícil para mim, eu sei que o tenho de o fazer mas é tão difícil.” Finalmente
tinha acalmado e voltara a falar, mas eu estava com medo de dizer alguma coisa
depois do que aconteceu da última vez.
“Porque é que
ainda és assim, só tornas as coisas mais difíceis.” Realmente não sei o que
fazer, só o simples facto de imaginar o que se passava na cabeça dela
horrorizava-me.
“Provavelmente
não me abraças nem falas porque não sabes o que se passa e eu, para piorar, não
sei se quero que o faças ou não. Porque é que isto aconteceu a nós!? Estávamos tão bem à três meses atrás.” Ela
meteu a cabeça entre a pernas e fechou-as com as mãos, o que significava que
não queria que eu a incomodasse.
Tentei
refletir sobre o que se poderia passar, ela parecia querer deixar-me mas ao
mesmo tempo parecia não querer. Não me lembrava de alguma vez a ter traído com
alguém e também duvidava que ela andasse com alguém, pois se fosse isso imagino
que não seria tão difícil para ela deixar-me. Talvez alguém lhe tenha dito algo
mau sobre mim, mas o que me preocupa é que foi à três meses atrás, isso e o
facto de ela falar como se ambos o soubéssemos. Estava irritado comigo por não
me lembrar de algo que parecia tão importante.
“Mas a culpa
não é tua, aliás de certa forma a culpa foi minha.” Ela tinha voltado a falar.
“Sempre a dizer que chegavas atrasado a casa, desconfiava que se passava algo
para além do trabalho.” Eu também tinha medo que pensasses dessa forma, mas não
posso repreender-te por isso e infelizmente não o consigo evitar,
“Não
sei o que teria feito se tivesses ido logo embora, talvez a culpa me consumisse
e eu tivesse feito algo de que tu nunca me perdoarias. Mas não, quando cheguei
a casa, tu já cá estavas, como se nada
se tivesse passado, como se tivesse sido um dia completamente normal, e a
primeira coisa que me disseste foi...”
“Perdoo-te, a
culpa não é tua.” De repente eu lembrei-me de todas aquelas noites desde á três
meses atrás.
“Esta já é a quinta vez.” Disse-lhe.
“Esta já é a quinta vez.” Disse-lhe.
“Desculpa, eu
sei que tem de ser, mas... Não quero que vás.”
Sentei-me ao
lado dela e aconcheguei-a nos meus braços. “Ficarás melhor sem mim. Eu sei que
sim, e tu também acabarás por o descobrir. Mas não sou eu que vou obrigar-te a
fazê-lo, se pudesse falo-ia, mas tens de ser tu a querer.” Mais uma vez as
lágrimas brotaram dos olhos dela, mas agora não eram apenas as dela, as minhas
também se juntaram à sinfonia.
“Diz-me só
uma coisa, eu morri á três meses atrás, não foi?”
“Sim.”
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